Que tempo posso fazer em cada prova?

Sendo o corpo humano uma variável que condiciona qualquer exercício matemático, a verdade é que a ciência dos números pode ajudar-nos a visualizar situações interessantes quanto ao nosso desempenho em diversas situações. A sua aplicação à corrida não é, por isso, estranha.
Já vimos matemática aplicada ao índice de gordura, à frequência cardíaca, e agora vamos observar um trabalho de um conhecido treinador brasileiro, Marcelo Augusti, especializado em Fisiologia do Exercício e Treino Desportivo.
E este trabalho versa a curiosidade de tentarmos qualificar que tempo poderemos realizar numa distância qualquer com base no que fizemos numa outra distância.
No fundo, é uma tentativa de relacionar os diferentes resultados obtidos e os que potencialmente podemos obter.
Assim, no trabalho do treinador, “o nosso objectivo é estabelecer uma maneira simples e eficiente para que possamos prognosticar o desempenho numa maratona, ou estipular um tempo-base que deve ser alcançado numa determinada distância, que servirá como referência para a busca de um resultado na maratona.
Embora os cálculos matemáticos sejam exactos, o corpo humano não se resume a pura matemática, sendo os mecanismos fisiológicos que ditam as regras a serem adoptadas para determinadas situações de stress físico e emocional, característicos das provas de longas distâncias”.
O prognóstico do desempenho em corridas de fundo variará sempre da capacidade do atleta e do treino que efectuar e da evolução da sua própria forma. Isso ajudá-lo-á a elaborar uma estratégia de corrida que favoreça a obtenção do melhor resultado, sem correr riscos desnecessários.
Os cálculos
Partindo da observação dos rankings dos melhores atletas brasileiros, o treinador estabeleceu um critério seguro como base de cálculo: a norma técnica. Segundo ele “a norma técnica, entendida como a dimensão em que se limita o resultado competitivo, é uma referência para a construção do desempenho atlético”.
Assim, com base nessa observação o referido técnico estabeleceu as seguintes relações:
PADRÃO REFERENCIAL PARA O DESEMPENHO
DE FUNDISTAS NO BRASIL
Prova Tempo Velocidade Coeficiente
Média de Correlação
Maratona 2.13.59 5,25m/s 100
1/2 Maratona 1.04.59 5,41m/s 103/97
15 km 45.29 5,49m/s 104/96
10 km 29.29 5,65m/s 107/93
As distâncias seleccionadas apresentam uma óptima relação com a maratona, a distância que foi considerada como padrão.
“A velocidade, dada em metros por segundo (m/s), é utilizada como base de cálculo do coeficiente de correlação. Este coeficiente retrata a relação existente entre a distância padrão (nesse caso, a maratona) e uma outra distância específica que será utilizada para o prognóstico do resultado da distância padrão. Esse coeficiente de correlação é a norma técnica que será utilizada para calcular o futuro desempenho”, conclui Marcelo Augusti.
Vejamos agora a parte matemática do seu estudo:
«O cálculo do coeficiente de correlação (CC) pode ser efectuado de duas maneiras:
1ª – CC = velocidade da distância-padrão/velocidade da distância específica
2ª – CC = velocidade da distância específica/velocidade da distância-padrão
O primeiro cálculo é utilizado quando a partir do resultado de uma distância menor pretendemos prever o resultado que será alcançado na maratona.
Já na segunda situação, o objectivo é estabelecer qual o tempo-base que devemos alcançar nas distâncias específicas (meia maratona, 15 km e 10 km), para podermos atingir um determinado resultado na distância padrão (maratona).
Essas operações já foram entretanto realizadas para facilitar o trabalho do técnico e do atleta. O que iremos utilizar nos nossos cálculos são as normas técnicas. Aqui, entretanto, cabe uma explicação:
• Os índices maiores (103,104 e 107) serão utilizados para calcular o tempo-base da distância específica;
• Os índices menores (97,96 e 93) são para o prognóstico do desempenho na distância padrão.
Toda essa teoria pode causar pânico a princípio mas a sua prática é muito simples.
Observemos estes dois exemplos:
• 1ª SITUAÇÃO: ATLETA PRETENDE OBTER 2H30M NA SUA PRÓXIMA MARATONA
Para que esse atleta possa alcançar a marca desejada, é necessário que o mesmo apresente um desempenho compatível nas distâncias menores (10 km, 15 km e meia maratona).
Não sabemos quais são os seus tempos-base nas referidas distâncias mas podemos calculá-los da seguinte forma:
Velocidade média da distância-padrão (maratona em 2h30m) = 4,68m/s
a) para calcular o tempo-base de 10 km:
CC = 107x4,68/100
CC = 5,00m/s
Tempo-base = 10.000/5,00
10 km = 33m20s
b) para calcular o tempo-base de 15 km:
CC = 104x4,68/100
CC = 4,86m/s
Tempo-base = 15.000/4,86
15 km = 51m26s
c) para calcular o tempo-base da meia maratona:
CC = 103x4,68/100
CC = 4,82m/s
Tempo-base = 21.100/4,82
Meia maratona = 1h12m57s
O atleta deve apresentar portanto, um referencial nas distâncias específicas equivalente a: 10 km = 33.20; 15 km = 51.26; 21,1 km =
1.12.57
• 2ª SITUAÇÃO: ATLETA DESEJA SABER O RESULTADO (PROGNÓSTICO) DA SUA PRÓXIMA MARATONA, SENDO DETENTOR DA MARCA DE 1H25M NA MEIA MARATONA
A partir da sua melhor marca na meia, é possível a esse atleta prever o desempenho na maratona. Se o mesmo tivesse apenas como referência o resultado na distância de 10 ou 15 km, também seria possível a previsão do desempenho. Acompanhe os passos:
Velocidade média da distância específica (meia maratona em 1h25m) = 4,13m/s.
Obs.: mais abaixo abaixo como calcular velocidade média
Como fazer o prognóstico para o tempo previsto na maratona:
CC = 97x4,13/100
CC = 4,00m/s
Tempo-base = 42.195/4,00
Maratona = 2h55m48s
Portanto, um atleta detentor da marca de 1h25m na meia maratona, teria condições teóricas de completar a maratona em 2h55m48s.
Entretanto, sabemos que as coisas não funcionam tão correctas como possa supor a lógica dos cálculos. O resultado competitivo é construído ao longo de uma sólida preparação física, técnica, táctica e psicológica. Outros factores, como o estado de saúde, a alimentação, o descanso, os conflitos sociais, além das condições do ambiente (temperatura, humidade relativa do ar, relevo do percurso), a conduta durante a prova (hidratação e suplementação) e a motivação, exercem influência decisiva sobre o desempenho atlético.
Devido a esses factores, uma margem de 1% para menos (melhor resultado) e 2% para mais (pior resultado) pode ser adoptada como conduta satisfatória para o cálculo final da previsão do desempenho. Ao estabelecermos esses parâmetros, o prognóstico do resultado competitiva torna-se mais confiável. Assim, teríamos a seguinte situação em relação ao atleta do exemplo número 2:
Velocidade média optimista = 4,00x1,01 (1%) = 4,04m/s
Velocidade média pessimista = 4,00x0,98 (2%) = 3,92m/s
Tempo-base (maratona): 2.55.48
Expectativa alta: 2.54.04
Expectativa baixa: 2.59.24.
Entretanto, para calcularmos a velocidade média do ritmo em que o corredor pretende competir, siga o modelo abaixo:
Tempo da prova de 10 km = 38m40s
Transformar o tempo previsto em segundos: (60x38)+40=2.320s
Transformar 10 km em metros:
10x1.000=10.000 metros
Velocidade média:
10.000m/2.320s=4,31m/s
Se a distância fosse outra, o procedimento seria o mesmo.»